(...) Quando eu era muito novo e sentia em mim o impulso irreprimível de estar em qualquer outro sítio, foi-me assegurado por pessoas de idade madura que a maturidade curaria este desejo ardente. Quando os anos me indicavam como amadurecido, o remédio prescrito foi a meia-idade. Na meia-idade, asseguraram-me que uns anos mais acalmariam a minha febre, e agora, que tenho cinquenta e oito, talvez a senilidade o consiga. Nada surtiu efeito. Quatro sopros roufenhos do apito de um navio ainda arrepiam o cabelo da minha nuca e põem os meus pés a sapatear. O som de um avião de jacto, de um motor a aquecer, até o bater de cascos ferrados no pavimento, provocam o antigo estremeção, a boca seca e o olhar vago, o calor das palmas das mãos e a agitação violenta do estômago, aos pulos sob a caixa das costelas. Por outras palavras, não melhoro, ou, indo mais longe, quem foi vadio é sempre vadio. Receio que a doença seja incurável. (...)
JOHN STEINBECK
Viagens com o Charley
tradução - Sousa Victorino
voz - Cristina Paiva
música - Kraftwerk por Alexander Balanescu
sonoplastia - Fernando Ladeira