O terrorista… olha







A bomba vai explodir no bar às treze e vinte.
São neste momento treze e dezasseis.
Alguns conseguem ainda entrar,
alguns sair.

O terrorista passou já para o outro lado da rua.
A esta distância ficará livre de perigo
e, quanto a vista, é como no cinema:

Uma mulher de casaco amarelo… entra.
Um homem de óculos escuros… sai.
Rapazes de jeans… conversam.
Treze horas, dezassete minutos e quatro segundos.
Aquele baixinho tem sorte e senta-se na vespa,
mais um tipo alto que entra.

Treze horas, dezassete minutos e quarenta segundos.
Passa uma moça de fita verde nos cabelos.
Só que o autocarro oculta-a.

Treze e dezoito.
A rapariga desapareceu.
Se foi bastante estúpida para entrar ou não,
isso se saberá pelas notícias.

Treze e dezanove.
Parece que ninguém entra.
Há porém um careca gordo que sai.
Mas olha, parece que procura algo nos bolsos,
faltam treze segundos para as treze e vinte,
e ele volta a entrar em busca das luvas que perdeu.

São treze e vinte.
Como o tempo voa.
Deve ser agora.
Ainda não.
Sim, é agora.
A bomba… explode.


WISLAWA SZYMBORSKA
Paisagem com grão de areia
Ed. Relógio d’Água

tradução - Júlio Sousa Gomes

voz - Cristina Paiva

música – Sétima Legião

sonoplastia e fotografia - Fernando Ladeira

O gato e a vespa






O gato foi à escola
enquanto os poetas dormiam.

O gato foi ao leite e ao presunto
enquanto a vespa azucrinava
por ali sob o olhar de um grifo
que pairava.

Enquanto os poetas dormiam.

Vai-te embora, vespa, diz o gato,
deixa estar a neve sossegada dentro
da taça e não faças barulho,
deixa os poetas dormir.

Não é neve, diz o grifo, é uma nêspera,
está sentada ao colo de uma velha,
foi um poeta da cidade* que deixou escrito.

Ora, uma nêspera, exclama a vespa,
é mas é um pêssego. Ai é, responde o gato,
vamos ver.

Enquanto os poetas dormiam.

O grifo rondava a escola como um corvo
em cima de um comboio e gostava de ouvir
o gato a comer o presunto devagar, olhando
para o leite. A vespa zumbia, zumbia como
um tractor e ria-se. Olha que isto é uma escola,
diz o gato, e a escola não é para vespas.

Enquanto os poetas dormiam.

Até que vem a aurora, coberta de chuva,
acordar os poetas e os galos ao mesmo tempo.

Mas o gato insiste, cuidado ó vespa,
ainda cais no leite, olha que os poetas
escrevem palavras que dançam
nas praias douradas, deixa-os dormir.

A vespa não quis saber. Pensava que tinha
o mundo todo a seus pés, o ar, as nuvens,
as pessoas, as colinas, o rio, as bibliotecas,
os barcos. Mas era um pensamento falso,
um engano. Caiu na taça de leite e morreu.

É o que acontece às vespas que chamam
pêssegos às nêsperas.

* O poeta da cidade é Mário Henrique-Leiria “Contos do Gin-Tonic”
que escreveu um poema sobre uma velha que comeu uma nêspera.

JAIME ROCHA
É absolutamente certo nº 9 (Jornal de Poesia)
Edição: Biblioteca Municipal José Baptista Martins de Vila Velha de Ródão

voz - Cristina Paiva

música – The Cure

sonoplastia e fotografia - Fernando Ladeira

ilustração: Elisa Aragão