Amor e outros crimes em vias de perdão
deito-me à sombra das tuas pernas
e o corpo arde em todos os movimentos
que não ousaste prolongar
na toalha branca da minha pele
deste lado a dor
é completamente minha
e por assim dizer inútil
era capaz de jurar
que nem me viste
ALICE VIEIRA
Dois corpos tombando na água
Ed. Dom Quixote
voz - Cristina Paiva
música - Penguin Cafe Orchestra
sonoplastia - Fernando Ladeira
desvendado - Ana Isabel Duarte
Natureza-Morta
A meia-noite deu-me as doze gotas,
O meu mal vai dormir:
Olham-me, vãs, as minhas botas,
Que eu a tão longe faço ir.
É murcha a roupa que componho,
Com minha forma, atrás da porta:
Espelho a que me envergonho!
Minha natureza morta!
VITORINO NEMÉSIO
Obras Completas
II Volume
Ed. Imprensa Nacional Casa da Moeda
voz - Cristina Paiva
música - Múm
sonoplastia - Fernando Ladeira
desvendado - Helena Ramos
Variação
Se sorrio, ris.
Se entristeço, choras.
Feliz, infeliz,
a vida melhoras.
Que vária se faz!
Infeliz, sorrio.
Feliz, chego às
lágrimas em fio.
ALBERTO DE SERPA,
A poesia de Alberto de Serpa
Ed. Nova Renascença
voz - Cristina Paiva
música - Shed
sonoplastia - Fernando Ladeira
desvendado - Maria Almira Soares
Estribilhos
No interior da música
o silêncio
que regaço procura?
Que interior é esse
onde a luz
tem morada?
E há um interior,
assim como o caroço
dentro do fruto?
E como entrar nele?
É como num corpo?
EUGÉNIO DE ANDRADE
Poesia
Ed. Fundação Eugénio de Andrade
voz - Cristina Paiva
música - U2
sonoplastia - Fernando Ladeira
desvendado - Helena Ramos
Álbum – XIX
O menino ri na sombra
contente de ver os pés nus.
Ver?
Sim, ver.
Na treva.
Ainda confunde as palavras
com a luz.
JOSÉ GOMES FERREIRA
Poeta Militante, Vol. II
Moraes Ed.
voz - Cristina Paiva
música - Penguin Cafe Orchestra
sonoplastia - Fernando Ladeira
desvendado - Isabel Teles de Menezes
Não toques nos objectos imediatos
Não toques nos objectos imediatos.
A harmonia queima.
Por mais leve que seja um bule ou uma chávena,
são loucos todos os objectos.
Uma jarra com um crisântemo transparente
tem um tremor oculto.
É terrível no escuro.
Mesmo o seu nome, só a medo o podes dizer.
A boca fica em chaga.
HERBERTO HELDER
Poesia Toda
Ed. Assírio e Alvim
voz - Cristina Paiva
música - Gas
sonoplastia - Fernando Ladeira
desvendado - Ana Margarida Ramos
Circo do Mundo
E de repente
com Mozart
chegaram as estrelas.
Próximo tudo
neste circo do mundo.
Uma voz
acompanha
o eclipse do Sol.
E não há angústia:
aqui o universo
foi criado pelo homem.
ANTÓNIO OSÓRIO
Planetário e zoo dos homens
Ed. Presença
voz - Cristina Paiva
música - W. A. Mozart
Academy of Saint Martin-in-the-fields - dir. Sir Neville Marriner - soprano. Felicity Lott
sonoplastia - Fernando Ladeira
desvendado - Isabel Teles de Menezes
Poema da auto-estrada
Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta
Vai na brasa de lambreta.
Leva calções de pirata,
vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.
Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.
Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.
Como um rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.
Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chegou aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.
Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.
ANTÓNIO GEDEÃO
Máquina de Fogo
Obra Poética
Ed. João Sá da Costa
voz - Cristina Paiva
música - Eternal basement
sonoplastia - Fernando Ladeira
desvendado - Ana Margarida Ramos