Conchas de uma vida







A Sofia descobriu um tesouro de conchas
e seixos:
tenho-os acumulado ao longo da vida.
Dantes de todas as idas à praia regressava carregada
de conchas e outros preciosos achados.
Agora não:
tento aprender a não ter. A não guardar
senão dentro
de mim.
A Sofia esvaziou o velho balde em que tenho
guardado achados de uma vida
com o prazer de descobrir
de quem visita um sótão.
Só que as conchas e os seixos
não envelhecem:
a Sofia lavou-os e parecem recém-saídos
do mar.
Ei-las as pedrinhas em forma de coração que sempre
me encantaram!
O mar preza as formas arredondadas
femininas. Trabalhou-as com vagar. Trouxe-as no ventre
mais tempo.
Acaricio os seixos lisos. Sinto-me a calcetar
uma estrada em que meus passos de hoje regressam
a meus passos de ontem
ou melhor: em que meus passos
de ontem continuam a ser meus passos hoje.
Nestes
seixos aqui o mar prossegue sua busca do centro:
ei-lo o ponto que o assinala. Bem fundo.
Por uma
estranha alquimia o mar tornou leves como cortiça
os pedaços de madeira que incorporou. E deu-lhes
formas suas.
Dir-se-ia que o mar tem seus arquétipos
e a partir deles vai esculpindo os corpos estranhos
que aceita dar de novo à luz.
Por isso a Sofia vai
separando por famílias todos os achados do mar.
Todos reproduzem com suas formas e feitios a mesma
busca.
De quê? Da perfeição?


TERESA RITA LOPES
Jogos, Versos e Redacções


voz - Cristina Paiva

música - George Winston

sonoplastia e fotografia - Fernando Ladeira

3 comentários:

  1. Que saudades tuas. Acabei de ver a tua miúda. Está tão gira!!!
    Beijos.
    Cristina

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  2. ....E Sofia enche-se de luz e esperança ao promover a união de duas conchas,e perceber que juntas chegam no ponto que assinala! No Centro! Bem fundo! Onde acabou a procura e a busca!...Enfim na PERFEIÇÃO!O AMOR PERFEITO DA EXISTÊNCIA!

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