As vozes



A infância vem
pé ante pé
sobe as escadas
e bate à porta

- Quem é?
- É a mãe morta
- São coisas passadas
- Não é ninguém

Tantas vozes fora de nós!
E se somos nós quem está lá fora
e bate à porta? E se nos fomos embora?
E se ficámos sós?

MANUEL ANTÓNIO PINA
Todas as Palavras, poesia reunida
Edição: Assírio & Alvim


voz - Cristina Paiva

sonoplastia - Fernando Ladeira

desvendado - Sofia Pereira

ninguém pode saber que este poema é teu



ninguém pode saber que este poema é teu.
ninguém pode saber. ninguém pode saber
que este poema. ninguém. este poema é teu.
sou uma coisa da qual se tem vergonha.

JOSÉ LUÍS PEIXOTO
Apeadeiro, Revista de Atitudes Literárias, N.º 1
Quasi Edições


voz - Cristina Paiva

música - John Cale

sonoplastia - Fernando Ladeira

desvendado - Sofia Pereira

O Poema



I

Esclarecendo que o poema
é um duelo agudíssimo
quero eu dizer um dedo
agudíssimo claro
apontado ao coração do homem

falo
com uma agulha de sangue
a coser-me todo o corpo
à garganta

e a esta terra imóvel
onde já a minha sombra
é um traço de alarme

LUIZA NETO JORGE
Terra Imóvel
Assírio & Alvim


voz - Cristina Paiva

música - Burial

sonoplastia - Fernando Ladeira

desvendado - Paula Saramago

O poema falante



Ser poema é ser alguma coisa
que habitualmente se é sem dar por isso.

Poema puro, de mais nada,
aqui estou eu a dizer que o sou –
– tanto bastará p'ra me negarem.

JORGE DE SENA
Post-Scriptum II
2º volume
Co-edição Moraes Ed. E Imprensa-Nacional Casa da Moeda



voz - Cristina Paiva

música - Johann Sebastian Bach

sonoplastia - Fernando Ladeira

desvendado - Helena Ramos