Poema da auto-estrada



Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta
Vai na brasa de lambreta.

Leva calções de pirata,
vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.

Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.

Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.

Como um rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.

Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chegou aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.

Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.

ANTÓNIO GEDEÃO
Máquina de Fogo
Obra Poética
Ed. João Sá da Costa


voz - Cristina Paiva

música - Eternal basement

sonoplastia - Fernando Ladeira

desvendado - Ana Margarida Ramos

2 comentários:

  1. Ana Margarida Ramos4 de julho de 2011 às 14:20

    António Gedeão.

    Ana Margarida Ramos

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  2. Olá, boa tarde.
    Obrigada pela participação.
    Certo. É dele, claro. E com mais este pontinho, já soma 6. Parabéns! :)
    Cristina Paiva

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