A lentidão (excerto)




(...) Quando as coisas se passam demasiado depressa, ninguém pode estar certo de nada, de nada de nada, nem sequer de si próprio (...) recordei a equação bem conhecida de um dos primeiros capítulos da matemática existencial: o grau de velocidade é directamente proporcional à intensidade do esquecimento. Desta equação, podem deduzir-se diversos corolários, por exemplo o seguinte: a nossa época abandona-se ao demónio da velocidade e é por essa razão que se esquece tão facilmente de si própria. Ora, eu prefiro inverter a afirmação e dizer: a nossa época está obcecada pelo desejo de esquecimento e é para realizar esse desejo que se abandona ao demónio da velocidade; acelera o passo porque quer fazer-nos compreender que já não aspira a ser lembrada; que se sente cansada de si própria; farta de si própria; que quer soprar a chamazinha trémula da memória. (...)


MILAN KUNDERA
A lentidão

tradução do francês - Miguel Serras Pereira


voz - Cristina Paiva

sonoplastia - Fernando Ladeira

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