Sobre o vaguear pelo matagal a apanhar violetas




Isto não tem graça nenhuma e eu recomendaria qualquer outro tipo de actividade. Visitai antes um amigo doente. Se isso for impossível, vejam um espectáculo ou tomem um banho quente e leiam. Qualquer coisa é melhor do que ir para um matagal com um daqueles sorrisos vazios e amontoar flores num cesto. Quando derdes por vós estareis a saltaricar de um lado para o outro. Afinal, o que é que se vai fazer com as violetas depois de as ter apanhado? «Ora, pô-las numa jarra», dizeis. Que resposta tão estúpida. Hoje em dia podeis telefonar à florista e encomendá-las. Deixai que seja ela a vaguear pelo matagal, é para isso que se lhe paga. Assim, se houver trovoada ou se por acaso aparecer um enxame de abelhas, a florista é que será empurrada para o monte Sinai.
A propósito, não penseis, por causa disto, que sou insensível às alegrias da natureza, embora tenha chegado à conclusão de que como puro divertimento não há nada melhor do que passar quarenta e oito horas na Cidade de Borracha e Espuma em meados de Agosto. Mas isso é outra história.

WOODY ALLEN
Sem Penas

tradução - Salvato Teles de Meneses

voz - Cristina Paiva

música - Bennie Moten

sonoplastia - Fernando Ladeira

Canção




De borco
no barco.
(De bruços
no berço...)
O braço é o barco
O barco é o berço.

Abarco e abraço
o berço
e o barco.

Com desembaraço
embarco
e desembarco.

De borco
no berço...
(De bruços
no barco...)


CECÍLIA MEIRELES
Obra Poética

voz - Cristina Paiva

música - Partial Arts

sonoplastia - Fernando Ladeira

Os teclados (excerto)




(...)Tudo ficava suspenso, no vazio. E depois o som acontecia: a chuva, o vento, o mar. O vento nas folhas, no caminho de terra, nos telhados, na chuva. Agora (...) ouvia a chuva, as formas fugidias da água. (...)
Gostava de vaguear (...), ouvindo o que havia para ouvir – buzinas de carros, vozes, motores, barulho de oficinas, pancadas mecânicas, chapas de metal zunindo, portas batendo, passos de pessoas na calçada. Por vezes música articulada, no meio dos sons: o canto alto de um pregão atirado ao ar, um trilo de pássaro, o assobio do amolador de tesouras, o acordeão de um cego numa esquina.
Mas tudo o resto – buzinas, vozes, sirenes, máquinas, - podia ser também uma forma de música. E mesmo o silêncio fazia parte de ouvir – o silêncio entre uma coisa e outra, a respiração ou a pausa, antes que outra coisa acontecesse.
Ouvir era deixar o mundo entrar em si. (...)

TEOLINDA GERSÃO
Os teclados

voz - Cristina Paiva

música - Wolfgang Amadeus Mozart

sonoplastia - Fernando Ladeira

do espectáculo A de Mozart

A erva daninha





Sou uma erva daninha.
Nem princesa, nem rainha.

Não tenho eira nem beira.
Nem ninguém que me queira.

Comigo ninguém se importa.
Todos me querem ver morta.

Sei que sou amaldiçoada.
porque não sirvo pra nada.

Mas a culpa não é minha,
de ser uma erva daninha.

Inventaram o herbicida,
pra me complicar a vida.

Mas isto não fica assim.
Vamos ver quem ri por fim.

Nem princesa nem rainha.
Sou uma erva daninha.


JORGE SOUSA BRAGA
Herbário

música: Django Reinhardt

voz - Cristina Paiva

sonoplastia - Fernando Ladeira